Quem foi Pedro D’Arcádia Neto

Pedro D’Arcádia Neto
(1937-1969)

O POETA DE ASSIS
(texto de autoria desconhecida)

Assis sempre teve cultivadores da Literatura, quer em pessoas que aí vinham viver, ou entre seus próprios naturais, e que se manifestavam através de discursos, em artigos na imprensa local, no teatro por poemas e crônicas, nos centros estudantis, – inclusive este cronista.

Todas estas manifestações, porém, desde o início da vida administrativa da cidade, foram apenas o humus e a seiva preparadores, a rocha sedimentar, a cristalização e a crisálida gerando o Poeta de Assis, o legítimo e único Poeta de Assis, – vivo no carinho de seu povo; no amor e na saudade; cultuado nos jornais; com o nome gravado em praça-pública e em busto na cidade; tornado «Mito» local, figura lendária da terra.

***

Pedro D’Arcádia Neto nasceu em Assis, em 21 de julho de 1937.

Era o primeiro filho de Luiz D’Arcádia e de dona Elisa Nigro D’Arcádia, família modesta, e com quem sempre viveu.

A família paterna, de ascendência italiana, originou-se da Mogiana: – o bisavô ainda era imigrante italiano, saído da Europa com a família, inclusive seu avô; mas o pai já nasceu em Aguaí.

Em 1924, o avô se transferiu para a Alta Sorocabana, vindo como administrador da Fazenda Santa Lina – (Quatá) –; e em 1926, mudaram-se para Assis.

Era, Pedro D’Arcádia Neto, sobrinho, pelo lado materno, do senhor José Nigro, pioneiro da imprensa assisense, responsável e mantenedor, por quarenta anos, do «JORNAL DE ASSIS»; e de Pedro Nigro, animador do futebol assisense.

Na expressão de seu pai, Pedro D’Arcádia Neto «nasceu marcado»: – pois nasceu com dois dentinhos, causando grande sensação.

Depois dele, os pais tiveram mais dois filhos: – Maria Ignez e Antônio.

Teve infância normal de menino sadio, criado na vida livre e quase solta do interior: – subindo em árvores frutíferas; escapulindo, às escondidas, do cuidado materno, para nadas nos córregos e ribeirões.

Fez todo o curso primários – (concluído em 1947) – no tradicional Grupo Escolar «Dr. João Mendes Júnior».

Morava, com a família, um tio materno, o qual, embora não tendo recebido formação cultural, era, como os demais Nigro, pessoa interessada e jornais, leituras, cultura geral e Arte; e que, talvez até pelo simples exemplo, despertou no garoto o mesmo interesse pela vida cultural.

Depois, foi o adolescente trabalhar, como balconista, na livraria e papelaria do outro tio, o senhor José Nigro; e nessa casa comercial, mais do que vendedor de livros, era amigo e cultor das obras culturais e literárias, além da presença do tio estimuladora de interesses culturais.

Aos 11 anos de idade, prestou exame de admissão ao então curso ginasial do antigo Instituo de Educação de Assis; e numa das ironias frequentes na história de muito valor humano e cultural, ele, o garoto interessado em livros, com pendores literários e que viria a luzir na imprensa literária do Estado, foi reprovado justamente em português!

Prestou novo exame de admissão, em segunda época; e foi um professor de francês que, lendo o trabalho de redação do examinando, insistiu junto aos demais examinadores sobre a excelência dessa redação, argumentando que só por esse trabalho, o candidato merecia aprovação.

Conseguiu, assim, vencer a barreira de português, ingressar no Instituto Estadual de Educação, e aí efetuar os estudos secundários e o Curso Normal, terminado em 1957.

No ano seguinte, com a instalação, em Assis, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, ele, ávido de ambiência e de comunicação cultural, se aproximou dos professores: – José Ferreira Carrato, Cassiano Nunes, Antônio Lázaro de Almeida Prado –, encontrando reciprocidade e animação, entregando-se à criatividade literária – (poesia, crônicas, ficção) –, e recebendo sólida orientação literária, até com cessão de livros em empréstimo.

Em companhia do Professor José Ferreira Carrato, ainda, visitou Minas Gerais histórica e barroca.

Interessado pela língua inglesa, recebidos os rudimentos transmitidos no ciclo secundário, desenvolveu, sozinho, o seu estudo, valendo-se dos cursos Yazigi e de ensino por discos e correspondência, chegando, em 1958, a lecionar inglês no Ginásio de Maracaí, – iniciando, então sua carreira profissional de professor.

Por intermédio do Curso CADES (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário), de Araçatuba, em 1960, obteve o certificado que possibilitava lecionar, registrando-se como professor secundário de língua inglesa.

Fez cursos de inglês, também em São Paulo, para obtenção de certificados de Cambridge e de Oxford.

Em 1961 ou 1962, foi nomeado para a Cadeira de Inglês do Instituto Estadual de Educação de Assis.

Lecionou, ainda – sempre inglês – no Colégio e Escola Normal «Santa Maria», no Ginásio Diocesano e no Ginásio Industrial Estadual de Assis, o atual Centro Interescolar de 1º e 2º graus «Pedro D’Arcádia Neto»*.

Foi, também, o introdutor do Curso Yazigi em Assis.

Prestou exame vestibular para a Faculdade Filosofia de Assis, Seção de Letras Anglo-germânicas – 1962 –, mas não pode seguir o curso na ocasião, pois o referido curso era em tempo integral, e Pedro estava absorvido profissionalmente com as aulas no Instituto Estadual de Educação.

Somente retornou à Faculdade de Filosofia, em curso parcelado, nos últimos anos de sua vida.

Em 1964, sofreu esgotamento nervoso, – a crise de sensibilidade dos poetas e dos artistas. Fez questão de se internar, durante um mês, num sanatório de Garça; e fez tratamento com um psiquiatra de Marília.

Adquiriu, daí, a prática da pintura, como terapia mental, tendo cultivado essa arte nos anos finais.

Em 1967, desligou-se do Instituto Estadual de Educação, quando circularam boatos de dispensa de professores, e antes que se visse desempregado.

Passou, logo em seguida, por uma fase de misticismo católico, atuante até em suas roupas: – passou a usar terno preto e gravata.

Superada a fase místico-religiosa, mudou-se para São Paulo, transferindo-se para a PUC (Pontífice Universidade Católica), e passando a lecionar inglês no Ginásio Vocacional do Brooklyn Paulista – (inovação didática da época e que não substituiu).

Residia em São Paulo em casa de parentes, à Vila Leopoldina.

Tendo adquirido hepatite, retornou para a casa paterna, em 1968.

Então, toda a sua vida se aclarou e estabilizou, nessa plenitude dos trinta anos: – foi readmitido, como professor estável, no Instituto Estadual de Educação de Assis; reingressou na Faculdade de Filosofia local; publicava seus trabalhos em Assis e na «FOLHA DE SÃO PAULO»; mantinha programa literário na Rádio de Assis; e foi contratado para lecionar Literatura Norte Americana na Faculdade de Filosofia de Tupã.

Estivera em Tupã uma vez, para acertar o trabalho e assinar o contrato; e no dia 19 de agosto, para lá viajou a segunda vez, a-fim-de ministrar a primeira aula, a sua primeira aula universitária, a concretização de sua suprema aspiração profissional: – o magistério superior.

Tão magno acontecimento levou o pai, senhor Luiz D’Arcádia, acompanhar o filho, em carro próprio; queria, também, o senhor Luiz D’Arcádia, dar estímulo e calor humanos ao professor.

Voltaram à noite, acompanhando o automóvel de outro professor, também vindo de Tupã.

Pedro dirigia uma perua «D.K.W.», que, por duas vezes enguiçou na estrada.

Madrugada de quarta-feira, 20 de agosto de 1969: – na chamada «curva da biquinha», entre Marília e Assis, o carro rolou a ribanceira, vitimando fatalmente o poeta.

***

Pedro D’Arcádia Neto escreveu poesia, crônicas e contos, publicando trabalhos na imprensa de Assis e de Maracaí, e no Suplemento Feminino da «FOLHA DE SÃO PAULO».

Poetava, também, em inglês.

Deixou pronto um romance: – «CHÃO DO AEROPORTO».

Preparou um livro didático em inglês, ilustrado, completamente renovador na parte didática e na apresentação material; procurou editor para o seu lançamento, não chegando a alcançá-lo.

Era muito querido por toda a população da cidade; carinhoso e amigo em família.

Tocava violão e cantava.

Temia a morte, mas por temor metafísico, pelo mistério que a envolve; não pelo medo físico de morrer.

 Em julho, às vésperas de sua morte, perdeu um amigo, também vítima de acidente.

A visita ao morto lhe inspirou um poema impressionantemente premonitório: – MOMENTO NA MADRUGADA:

« Então olhei quase sereno o rosto da morte.
A mãe se atava em pranto, à renda branca.
Eu olhava o rosto esvaído, o rosto inerte,
o rosto neutro e opaco do morto.
O choro era o único ruído.
No silêncio quase perfeito da ponte,
lançada no gelo da madrugada,
a vida encontrava a vida
e ninguém compreendia.
Eu fitava o rosto desfeito da mãe
e brotava em mim uma grande piedade.
Então (porque súbito eu a senti irmã)
envolvi-a com meu braço amigo
e lhe falei coisas banais que não deveria dizer.
Porque não lhe falei que não se pode chorar
quando o rio encontra o mar?
Que nada há que fazer senão
Fitar intensamente o grande encontro
E ouvir o imenso tropel de suas águas »

Cassiano Nunes, numa ELEGIA composta quando de sua morte, traçou-lhe o perfil físico-psicológico:

« Tua estranha mescla:
índio suspeitoso – puro –
e o triunfo afetivo italiano ».

(ELEGIA PARA PEDRO D’ARCÁDIA NETO)

Agora, ao reviver o Poeta, o jornal «ASSIM» – (julho de 1977) –, lhe evoca a figura:

«Poeta Pedro gostava da noite. – Longos bigodes, cabelos na testa, o inseparável cigarro apertado nos dedos. Cara de poeta, jeito e timidez.»

A respeito, indaga e expões o Professor Antônio Lázaro de Almeida Prado – («ASSIM» ib.):

«O que representou para Assis e Região a curta existência de Pedro D’Arcádia Neto?
Antes de mais nada, o raro privilégio de conviver com a uma criatura excepcional, que soube, graças a ao seu indiscutível vocacionamento para a criação artístico-literária, dar voz, expressão e ressonância às melhores virtudes do homem comum desta Cidade Fraternal de Assis.»

E conclui:

«Para nós, feridos pelo tempo, em sua audácia breve e perecível, Pedro D’Arcádia Neto, alma fraterna e cordial, mais do que mestre de arte e de poesia, de tolerância e de magnanimidade, é um exemplo vivo do que pode o homem, em seus melhores e fundamentais momentos de bondade […].»

Em sua memória, chama-se «Praça do Poeta» – Praça Pedro D’Arcádia Neto – a entrada do Instituto Estadual de Educação; aí, alteia-se o seu busto com versos já destruídos pela erosão do tempo:

«RAZÃO
Amo as pessoas
Precisamente porque elas findam
Não pelo inferno
Nem pelo paraíso
Amo as pessoas
Precisamente porque elas findam.»

Também, chama-se «Ponto-de-Encontro Pedro D’Arcádia Neto», o centro de atividades extracurriculares do atual Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis (UNESP).

E o Ginásio Industrial – já se registrou –, transformou-se no Centro Interescolar de 1º e 2º graus «Pedro D’Arcádia Neto»*.

***

Bibliografia específica:

POETA PEDRO /
Cidade completa oito anos sem seu poeta
CAROS AMIGOS
“ASSIM”
Assis, julho de 1977 – Ano I – n.º 2
pgs. 12 – e – 13
texto – de: – Marcos São Paulo / Renato Sant’Anna / Prof. Antônio Lázaro de Almeida Prado – e Osvaldo Trevisan.

Informantes: – 01. Luiz D’Arcádia (pai do Poeta) e; 02. Maria Ignez D’Arcádia Cruz (irmã do poeta).

Entrevista: – Professor Cassiano Nunes


O texto apresentado acima foi encontrado nos arquivos de nossa escola. Infelizmente não foi possível encontrar a autoria do mesmo para que fosse possível dar o devido crédito. Caso seja de conhecimento, por favor entre em contato com nossa escola para que possamos reconhecer o autor desta homenagem.

* a escola teve seu nome alterado diversas vezes com o passar dos anos e, em 1993, a Unidade foi incorporada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” (CEETEPS), tendo seu nome alterado para Etec Pedro D’Arcádia Neto.


Depoimentos e Entrevistas

Os depoimentos e entrevistas a seguir fazem parte do acervo da Biblioteca da Etec.

A informação que possuímos é que a autoria das entrevistas e solicitação dos depoimentos foi realizada por Vinicius, sobrinho de Pedro D’Arcádia Neto.

Pedrinho, como o chamávamos, era o filho mais velho dentre os três. Foi bom filho, bom irmão. Desde pequeno revelou muita sensibilidade no amor que tinha às coisas amis simples da vida: a natureza, as crianças, os animais, os velhinhos.

O menino Pedro divertia os irmãos menores e os amiguinhos com um aguçado senso de humor. Chegou a organizar e fazer funcionar um pequeno circo no quintal, que era a alegria da criançada. Logo cedo o menino foi à luta, trabalhando como balconista aos 11 anos para ajudar nos estudos dos irmãos. Entretanto, jamais deixou de lado a escola. Na livraria do tio, onde trabalhava, entrou em contato com a literatura a quem se ligou, amou e praticamente até a morte. Antonie de Saint Exupéry, André Muriac, Machado de Assis, Fernando Sabino, Katherine Masnfield, Alphonse Daudet foram seus amigos inseparáveis.

Concluiu o 2.º grau no antigo Instituo de Educação de Assis, onde foi aluno dedicado. Concluiu o antigo Curso Normal, porém começou logo em seguida a lecionar Inglês no Ginásio Estadual de Maracaí. Até esta época não havia eito um curso regular e oficial de inglês, tendo estudado a disciplina sozinho. Mesmo assim já dominava com grande competência a língua inglesa. Nessa época sua produção literária já era bastante farta em termos de poesias, crômicas e contos. Numa fase de grande depressão, encontrou na pintura uma grande terapia. Pintou quadros e mais quadros abstracionistas.

Romântico, bom violonista e possuidor de boa voz, foi um seresteiro contumaz. Aliás, Pedrinho sempre apreciou a boa música desde o gênero erudito ao popular, de Beethoven a Vinicius e Tom Jobim. Entretanto sua grande paixão musical sempre Elizeth Cardoso e Frank Sinatra, de quem deixou completa coleção de LPs.

Seu grande sonho era fazer carreira no Magistério Superior. Este sonho apenas começou a ser realizado. Ao regressar de Tupã no seu primeiro dia de aula como Professor da Faculdade de Filosofia daquela cidade, uma curva e penhasco traiçoeiros sugaram-lhe o comando da velha e amada DKW e ceifaram-lhe a vida.

No mais, Pedro, tudo é saudade. Que dizer de você? Que foi o irmão querido, o amigo, o confidente? Que me senti roubada quando você se foi? Que nossa vida empobreceu-se muito, muito sem o calor da grande figura humana que você foi? Pedrinho, que dizer de você?

Meu nome é Sueli Terezinha Binato Santili, professora de Inglês da EEPSG Prof. Lourdes Pereira.

É com muito carinho que me lembro do Professor Pedro, o Pedrinho. Ele foi meu professor de Inglês na Escola Yázigi. Aliás, acho que foi o primeiro professor dessa escola, em Assis. Ela funcionava, na ocasião, na Avenida Rui Barbosa, sobre uma loja, onde atualmente localiza-se a Cinderela Calçados.

Eu fazia, na época, o Curso Clássico. Mais ou menos, entre 1961 e 1963. Pedrinho, como chamávamos, era muito simpático e nós o respeitávamos por seu domínio do idioma que tanto queríamos aprender e por ser ele um autodidata. Além disso, era poeta também, adquirindo mais importância aos nossos olhos.

Pedrinho deixava os alunos à vontade, ensinando-nos através do método Yázigi. Lembro-me de que os diálogos eram acompanhados da transcrição fonética, um tanto difícil, embora a boa vontade do professor fizesse-nos superar essa dificuldade.

Dentre os colegas que compunham a classe, estavam (se não me falha a memória) Clélia Spinardi, Edy Gomes, Dona Amélia Resende, Dona Maria Angélica Resende e seu filho Renato, Helenira Nazareth…

Todos gostávamos muito do Pedrinho e foi com grande pesar que recebemos a notícia de seu prematuro e trágico falecimento. Mas ele permanecerá vivo na memoria dos que o conheceram. E, digo a você, Vinicius, que pode e deve orgulhar-se de seu tio, cujo nome engrandece a escola que o tem.

Vinicius: Prof. Terezinha, lembra-se de quando foi colega de Pedro D’Arcádia, no antigo Ginásio Industrial, escola que hoje leva o nome de meu tio?
Terezinha: Realmente. Fui colega de Pedrinho (assim, todos o chamavam) nos anos de 1962 e 1963).

V: Como era Pedro D’Arcádia Neto, como colega?
T: Olhe, eu sempre tive um grande respeito pelo Pedro. Embora a gente não tivesse tanta oportunidade de se encontrar, porque as classes, e, portanto, a permanência dele na escola, achava-o uma pessoa extraordinária e boníssima. Os alunos gostavam muito dele. Admirava-o tanto, que muitas vezes, apesar de sua simplicidade, tinha um certo acanhamento de me aproximar dele. Além disso, seu tio era um artista nato. Conheço vários de seus quadros.

V: Como pessoa, como era Pedro D’Arcádia?
T: Quieto, muito sério. Para os mais íntimos pareciam uma pessoa mais extrovertida. Não tive a oportunidade de conhecê-lo melhor. Aquela grande admiração e respeito a que me referi, talvez acabasse por me impedir uma maior aproximação.

V: A senhora lembra-se de algum fato digno de nota ligado a figura de Pedro D’Arcádia?
T: Foi uma pessoa que se formou sozinha, praticamente. Veja você: o aluno, de maneira geral, hoje em dia, com tantas oportunidades, tantos cursos oferecidos, quase não se interessa pelos estudos. Ele foi uma pessoa que batalhou sozinho. Foi um auto-didata. Ninguém precisava ensinar-lhe como dar aula. Estou me lembrando agora de um fato bastante interessante, Vinicius que vai mostrar-lhe o lado humano do Pedrinho. Naquela época, nos exames, além do professor da disciplina, colocava-0se outro professor para formar uma banca examinadora. Certa vez, o Pedrinho foi colocado em uma banca minha. Já havia começado o exame quando um aluno chegou atrasado, sem maiores problemas. Era muito rígido, severo, mesmo. Fiquei, ao lado do Pedrinho, imaginando que atitude tomar em relação ao aluno. Porém, seu tio, mais que depressa mandou o aluno entrar. O aluno estava suado, cansado e sobretudo nervoso pelo atraso. A seguir Pedrinho foi à copa e trouxe um poco de água para o menino acalmar-se e fazer o exame. Veja que atitude bonita. Se, na época, já tinha muita admiração pelo Pedrinho, como já disse, passei a admirá-lo ainda mais. Tanto que este fato me ficou na lembrança.

V: Essas coisas a gente guarda, não?
T: É isso mesmo.

V: Professora Terezinha, meus agradecimentos por ter-me concedido esta entrevista.
T: Foi um prazer, Vinicius. Disponha sempre.

Vinicius: Prof. Nicanor, o senhor recorda-se mais ou menor da época em que foi professor de Pedro D’Arcádia Neto?
Nicanor: Fui professor do Pedro D’Arcádia (nosso Pedrinho) nos cursos ginasial e Normal na década de 1950.

V: Como era o Pedrinho como aluno?
N: O Pedro foi um dos melhores alunos que tive, não só de minha disciplina, mas sempre se destacou em todas as matérias.

V: O senhor se lembra de alguma passagem ocorrida com Pedro D’Arcádia Neto, enquanto seu aluno?
N: Eu como meus alunos, entre os quais se achava o Pedrinho, subíamos as escadarias da escola e, no meio da escada estava o servente Luís D’Arcádia, limpando os degraus com pano úmido. “Seu” Luís nos deu passagem, encostando-se timidamente, em um dos lados da escadaria. Pedrinho, ao passar pelo pai, tocou-lhe carinhosamente a cabeça, dizendo: – Oi pai … E o pai, tocando-lhe também as pernas, respondeu: – Oi filho … Fiquei profundamente emocionado com a humildade do pai e o amor demonstrado pelo filho que naquele ano era professorando. O pai descendo para que o filho subisse.

V: Gostaria de acrescentar alguma coisa ao que já foi dito?
N: Mais tarde, o professor Pedro D’Arcádia Neto lecionou no próprio Instituo de Educação, onde se formou e eu fui seu direto. Tornamo-nos amigos, como irmãos, ligados pela poesia e as crônicas admiráveis que ele escrevia.
Quando Pedrinho nos deixou, estávamos, ele, eu e o Doutor Almeida Prado estudando a possibilidade de fundarmos uma academia de letras em Assis. Sua morte eliminou nossos planos…
Inspirado na sua partida para a eternidade escrevi o seguinte soneto:

«MORRA VIVENDO
Vive esta vida de tal sorte, que ela
Como num espelho se reflita além,
Fiel a Deus e devotado ao bem,
Quer seja grande ou uma simples vela

Vive o teu tempo onde quer que estejas
Se no poder, ou na sombra escondido
Vive o teu tempo muito bem vivido
E pelos braços põe-te nas pelejas

Deus estará presente em teus lidares
Em todo o tempo em que aqui estiveres
Se na presença de deus sempre andares


E, em consequência do que tu viveres,
Que tu mais brilhes, quando te apagares
Que tu não morras, quando tu morreres»

Nicanor Luciano Gomes – Assis, 08-nov-1986.


O Legado de Pedro

Pedro era um apaixonado pelas letras e as letras retribuíam seu amor por elas. Como exposto no texto acima, ele nos deixou contos, crônicas e poesias, tanto em língua portuguesa como em inglês.

Hoje a Etec possui um exemplar do livro de poesias de Pedro D’Arcádia Neto intitulado “Tua Ausência” e, também, do livro “Lembrança Tua”, onde encontram-se contos e crônicas que foram publicados em jornais da região de Assis e no jornal Folha do Estado de São Paulo. Ambos são compilados de seus trabalhos organizados pela sua família após o seu falecimento.

Abaixo disponibilizamos algumas de suas obras:

Poesias

Teus cabelos

Não fôsse essa pequena luz
que emerge do escuro,
diria que teus cabelos
são a própria noite,
pois nela se irmanam.

Teu rosto tão claro
foge do negro que o
envolve. E me contemplas...
Não te digo nada
(as palavras são tão pobres...)
Mas todo o meu amor
habita êsse silêncio puro.

O que ficou

A minha volta êsse silêncio
dolorosamente longo e amigo.
Silêncio de velhos livros abertos
(Ah, os livros, tão sinceros!)
Silêncio de cinzeiro cheio,
de insônia sem esperanças.
A sala permite o milagre tão suave
da madrugada calada,
que lentamente se escoa.
Mais um dia... Não ler mais, cansaço...
Querer justamente o impossível
(que é tão possível, somo tão ínfimos!...)
Já o dia chegará - apenas o dia exterior,
porque meu espírito será sempre
essa madrugada triste...

I wrote

I wrote the twilights
falling smoothly
on the evenings
but soon, tired, I left that

I wrote the darkness
bewitching completely
the new young night
but soon, tired, I left that

I wrote the dawns
reached sleeplessly
through many lassistudes
but soo, tired, I left that

And sometimes, butterly,
even myself I have written
but soon, tired, I left that

There is, however, a thing
I would do durgin life through
and the simply is:
writing, writing always about you!

Crônicas, Contos e Memórias

Pequeno Sonho

Subitamente tenho uma noção crua de tudo o que falta à vida que levo: onde estão os pés-de-milho, onde estão os murmúrios dos eucaliptos, onde estão as barulhentas galinhas legorne com chapinha de metal – onde estão? Nesta vida de asfalto e pouco amor, onde estão as verduras líricas de antigamente, as couves, as alfaces – e as flores, nem falemos das vagabundas flores do mato, quando a gente ia cata gabirobas, como eram bonitas!

Qual outra emoção te encantou, homem exilado do asfalto e confiado em pequenas e virtuosas e necessárias mentiras, qual emoção – mais te libertou um riso tão jorrante que o haver achado antes de todos, a gabirobeira mais viçosa, lançando alegremente seus ramos e seus frutos doces ao céu de tanta mornidão azul, e longe?

Claro, faltam outra coisas: falta o cheiro frio das veredas há pouco abertas no mato, faltam os berros da cabras e a maravilhosa denguice dos cabritinhos e o amarelo inesquecível dos patinhos de alguns dias e a braveza gozada e bicante da galinha choca correndo atrás da gente e gente correndo e se escondendo atrás da tina, onde está tudo isso?

Por que por agora tudo vai diferente e intranqüilo: a tina se dissolveu ao longe de muito cansaços: hoje chama-se “Prima”, a substituta e criou um caso na cozinha: novo sistema de encanamento, ou melhor, novo jeito no dispor das coisas: uma borracha liga à torneira, outra tem de sair – esta era curta e não saía. O rolo. O próprio rolo feito, Mas durou pouco: logo alguém prático ligou tudo, arranjou o que se precisava. Não é tão bonito quanto as coisas de antigamente: mas é calma, a tal lavadora elétrica, trabalha em silencio , vai rodando sua placa de borracha, eu olho, fascinado, sorrio para uma desaparecida vizinha que ainda revejo lavando roupa, sorrio para minha mãe, que tanta roupa lavou – olhem vocês, como é operosa a “Prima”.

Sim, falta muita coisa. E a gente começar a evocar coisas é sinal de que o presente ainda meio por sobre o insosso. Talvez por isso, hoje, manhã varada de um sol branquicento e sem calor, haja eu ido ao mercado atrás de umas cenouras e lá, invadido por umas ilusões, tenha comprado sementes de dália, sempre-viva e amor-perfeito. Farei um canteiro? Nem sei. Em São Paulo, indo comprar miolo na feira, acabei, além dele, trazendo uma bela muda de rosa, pequena e fraca, pedindo uma boa terra, germinadora.

É muito importante que enquanto somos jovens – o melhor, enquanto somos vivos – tenhamos um canteiro de flores para cuidar, tenhamos uma prosa boa e simples para com todos e especialmente para com os singelos, que neles está a verdade, se não não haveria tantos… É preciso imediatamente esquecer, é preciso uma vigilância extrema ao momento atual, porque só assim o coração não murchará, só assim não mais precisaremos do celeiro da infância e do passado para suprir nossa fome que o tédio vai causando. É necessário apagar a imensa lousa do dias idos, ver essa chuva lenta de horas, com muita compaixão – e apagá-la de vez, vivendo o instante de agora. O único. O verdadeiro. O certo. Que é a paz.

Nós somos tristes, porque comparamos: por isso, sem comparar apenas pensando nelas, vou plantar minhas flores. E se, saudades da rosa que fiou em São Paulo.


para o Jornal A Gazeta de Assis de 23 de setembro de 1967.

Lembrança Tua

Talvez tenha me desviado algumas vezes desta folha, desta máquina. Por agora, porém, a trade se faz calada e cinza e uma saudade antiga me empurrou para a vereda de teu olhar manso e bom para o verão amigo de tuas mãos. Uma tolice romântica? Parecerá um rasgo emotivo sem muita importância, mas a tarde é cinza e calada e a tarde me apontou num relance o teu vulto doutras noites, e eu revejo, como em sonho, que a hora violeta traz o tremor das primeiras estrelas.

Estou só. Tomo, como outrora, um refrigerante qualquer e fito a tarde ganhando os tons lilases que pressagiam a noite. Não há tristeza, não há melancolia: há um desejo franco e reto de poder outra vez estar contigo, aqui mesmo, talvez ou talvez noutro lugar qualquer, estar contigo em intensa plenitude, numa comunhão de planos interiores e que houvesse um instante, um pequeno e curto instante, que viesse atrás de um outro instante, e como um acordo silencioso, estaríamos conversando coisas vagamente sem importância e daí, num, relance,sentiríamos a agulhada da presença total da noite recém-nascida e então, talvez, a fitássemos, mudos, vigilantes, pequenos-grandes perante o infinito.

Perante as estrelas e perante nosso repentino acordar interior, nos calaríamos. O tempo passará sobre nossos corações, a morte nos atravessará, a beleza tocará com leveza e verdade nossas almas.

Então, súbito, tínhamos amadurecido.

Então, nosso olhares se cruzariam, coagulados de verdade – neles haveria a quantia de coisas que nunca ousamos trocar, em palavras. Tu lerias os meus olhos, eu leria os teus: diretos, verdadeiros, janelas fendidas em nossas almas.Nossas mãos se abrigariam umas nas outras, verão junto com verão.

É tarde, é cinza, um canto de pássaros flutua no ar sem cor. EU penso em ti. Um abraço forte, doce, teu.


para o Jornal Voz da Terra de 25 de fevereiro de 1967.