Quem foi Pedro D’Arcádia Neto

Pedro D’Arcádia Neto

Pedro D’Arcádia Neto nasceu na cidade de Assis/SP, em 21 de julho de 1937, o primeiro filho de Luiz D’Arcádia e de Elisa Nigro D’Arcádia, família modesta e com quem sempre viveu.

Pedro teve uma infância normal de menino sadio, criado na vida livre e quase solta do interior com seus dois irmãos mais novos (Maria Inez e Antônio), subindo em árvores, escapulindo de seus pais para nadar nos córregos e ribeirões da cidade.

Estudou todo o seu curso primário no tradicional Grupo Escolar “Dr. João Mendes Júnior”, concluindo em 1947. Aos 11 anos, prestou exame de admissão para o curso ginasial no então Instituto de Educação de Assis (atualmente conhecida como Escola Estadual Dr. Clybas Pinto Ferraz), sendo aceito e concluindo seu curso ginasial no ano de 1957.

Depois, foi o Pedro adolescente trabalhar como balconista, na livraria e papelaria de seu tio, o Senhor José Nigro. E, graças ao estímulo de seu tio, ele era mais do que vendedor de livros, era amigo e cultor das obras culturais.

Em 1958, com a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (atual Faculdade de Ciências e Letras de Assis, campus da UNESP) no município de Assis, ele, ávido de ambiência e de comunicação cultural, se aproxima de professores como José Ferreira Carrato, Cassiano Nunes, Antônio Lázaro de Almeida Prado, entre outros; encontrando reciprocidade e animação, entregando-se à criatividade literária (poesias, crônicas, ficções etc.) e recebendo sólida orientação literária de seus novos companheiros culturais.

Interessado pela língua inglesa, recebidos os rudimentos transmitidos no ciclo secundário, desenvolveu, sozinho, o seu estudo, valendo-se de cursos e de ensino por correspondência, chegando a lecionar a disciplina de Inglês no Ginásio de Maracaí, iniciando aí, a sua carreira profissional como professor.

Por intermédio do Curso CADES, em Araçatuba, obteve, então, a certificação que lhe possibilitava lecionar, registrando-se como Professor Secundário de Língua Inglesa.
Mas sua vontade de aprender não parou aí. Buscou na cidade de São Paulo, cursos de língua inglesa para obter certificação pelas Universidades de Cambridge e de Oxford (Inglaterra).

Voltando para sua amada cidade de Assis, foi nomeado para a Cadeira de Inglês do Instituto Estadual de Educação de Assis, lecionando ainda no Colégio e Escola Normal “Santa Maria”, no Ginásio Diocesano e no Ginásio Industrial Estadual de Assis (atual Etec Pedro D’Arcádia Neto).

Prestou o vestibular para a Faculdade de Filosofia de Assis, Seção de Letras Anglo-Germânicas, mas não seguiu o curso na ocasião, pois o curso era em tempo integral e Pedro estava absorvido profissionalmente com suas aulas em colégios da cidade, retornando à Faculdade de Filosofia somente em seus últimos anos de vida.

Em 1964, sofreu esgotamento nervoso e fez tratamento em um hospital na cidade de Garça/SP quando, graças ao seu processo terapêutico, adquiriu prática na pintura, arte que cultivou desde então.

Em 1967 desligou-se do Instituto de Educação. Mudou-se para São Paulo, transferindo-se para a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e passando a lecionar Língua Inglesa no Ginásio Vocacional do Brooklyn Paulista. Residindo em São Paulo, na casa de familiares, retornou para Assis, após ser acometido pela hepatite, em 1968.

A partir de então, sua vida se aclarou e estabilizou, nessa plenitude dos trinta anos. Foi reconduzido a sua cadeira como professor de língua inglesa no Instituto de Educação de Assis, reingressou na Faculdade de Filosofia local e foi contratado para lecionar Literatura Norte Americana na Faculdade de Filosofia de Tupã/SP, além de esporádicas publicações em jornais locais e no jornal Folha de São Paulo.

No dia 19 de agosto de 1969, Pedro viaja até Tupã para sua aula inaugural, sua primeira aula universitária, a concretização de sua suprema aspiração profissional: o magistério superior.

Infelizmente, no dia 20 de agosto de 1969, uma quarta-feira, um acidente automobilístico na popularmente chamada “curva da biquinha”, entre Assis e Marília, acaba vitimando fatalmente o poeta, professor e amigo de muitos, Pedro D’Arcádia Neto.


O Legado de Pedro

Pedro era um apaixonado pelas letras e as letras retribuíam seu amor por elas. Em sua curta passagem em nossa história, ele nos deixou contos, crônicas e poesias, tanto em língua portuguesa como em inglês.

Hoje a Etec possui um exemplar do livro de poesias de Pedro D’Arcádia Neto intitulado “Tua Ausência” e, também, do livro “Lembrança Tua”, onde encontram-se contos e crônicas que foram publicados em jornais da região de Assis e no jornal Folha do Estado de São Paulo. Ambos são compilados de seus trabalhos organizados pela sua família após o seu falecimento.

Abaixo disponibilizamos algumas de suas obras:

Poesias

Teus cabelos

Não fôsse essa pequena luz
que emerge do escuro,
diria que teus cabelos
são a própria noite,
pois nela se irmanam.

Teu rosto tão claro
foge do negro que o
envolve. E me contemplas...
Não te digo nada
(as palavras são tão pobres...)
Mas todo o meu amor
habita êsse silêncio puro.

O que ficou

A minha volta êsse silêncio
dolorosamente longo e amigo.
Silêncio de velhos livros abertos
(Ah, os livros, tão sinceros!)
Silêncio de cinzeiro cheio,
de insônia sem esperanças.
A sala permite o milagre tão suave
da madrugada calada,
que lentamente se escoa.
Mais um dia... Não ler mais, cansaço...
Querer justamente o impossível
(que é tão possível, somo tão ínfimos!...)
Já o dia chegará - apenas o dia exterior,
porque meu espírito será sempre
essa madrugada triste...

I wrote

I wrote the twilights
falling smoothly
on the evenings
but soon, tired, I left that

I wrote the darkness
bewitching completely
the new young night
but soon, tired, I left that

I wrote the dawns
reached sleeplessly
through many lassistudes
but soo, tired, I left that

And sometimes, butterly,
even myself I have written
but soon, tired, I left that

There is, however, a thing
I would do durgin life through
and the simply is:
writing, writing always about you!

Crônicas, Contos e Memórias

Pequeno Sonho

Subitamente tenho uma noção crua de tudo o que falta à vida que levo: onde estão os pés-de-milho, onde estão os murmúrios dos eucaliptos, onde estão as barulhentas galinhas legorne com chapinha de metal – onde estão? Nesta vida de asfalto e pouco amor, onde estão as verduras líricas de antigamente, as couves, as alfaces – e as flores, nem falemos das vagabundas flores do mato, quando a gente ia cata gabirobas, como eram bonitas!

Qual outra emoção te encantou, homem exilado do asfalto e confiado em pequenas e virtuosas e necessárias mentiras, qual emoção – mais te libertou um riso tão jorrante que o haver achado antes de todos, a gabirobeira mais viçosa, lançando alegremente seus ramos e seus frutos doces ao céu de tanta mornidão azul, e longe?

Claro, faltam outra coisas: falta o cheiro frio das veredas há pouco abertas no mato, faltam os berros da cabras e a maravilhosa denguice dos cabritinhos e o amarelo inesquecível dos patinhos de alguns dias e a braveza gozada e bicante da galinha choca correndo atrás da gente e gente correndo e se escondendo atrás da tina, onde está tudo isso?

Por que por agora tudo vai diferente e intranqüilo: a tina se dissolveu ao longe de muito cansaços: hoje chama-se “Prima”, a substituta e criou um caso na cozinha: novo sistema de encanamento, ou melhor, novo jeito no dispor das coisas: uma borracha liga à torneira, outra tem de sair – esta era curta e não saía. O rolo. O próprio rolo feito, Mas durou pouco: logo alguém prático ligou tudo, arranjou o que se precisava. Não é tão bonito quanto as coisas de antigamente: mas é calma, a tal lavadora elétrica, trabalha em silencio , vai rodando sua placa de borracha, eu olho, fascinado, sorrio para uma desaparecida vizinha que ainda revejo lavando roupa, sorrio para minha mãe, que tanta roupa lavou – olhem vocês, como é operosa a “Prima”.

Sim, falta muita coisa. E a gente começar a evocar coisas é sinal de que o presente ainda meio por sobre o insosso. Talvez por isso, hoje, manhã varada de um sol branquicento e sem calor, haja eu ido ao mercado atrás de umas cenouras e lá, invadido por umas ilusões, tenha comprado sementes de dália, sempre-viva e amor-perfeito. Farei um canteiro? Nem sei. Em São Paulo, indo comprar miolo na feira, acabei, além dele, trazendo uma bela muda de rosa, pequena e fraca, pedindo uma boa terra, germinadora.

É muito importante que enquanto somos jovens – o melhor, enquanto somos vivos – tenhamos um canteiro de flores para cuidar, tenhamos uma prosa boa e simples para com todos e especialmente para com os singelos, que neles está a verdade, se não não haveria tantos… É preciso imediatamente esquecer, é preciso uma vigilância extrema ao momento atual, porque só assim o coração não murchará, só assim não mais precisaremos do celeiro da infância e do passado para suprir nossa fome que o tédio vai causando. É necessário apagar a imensa lousa do dias idos, ver essa chuva lenta de horas, com muita compaixão – e apagá-la de vez, vivendo o instante de agora. O único. O verdadeiro. O certo. Que é a paz.

Nós somos tristes, porque comparamos: por isso, sem comparar apenas pensando nelas, vou plantar minhas flores. E se, saudades da rosa que fiou em São Paulo.


para o Jornal A Gazeta de Assis de 23 de setembro de 1967.

Lembrança Tua

Talvez tenha me desviado algumas vezes desta folha, desta máquina. Por agora, porém, a trade se faz calada e cinza e uma saudade antiga me empurrou para a vereda de teu olhar manso e bom para o verão amigo de tuas mãos. Uma tolice romântica? Parecerá um rasgo emotivo sem muita importância, mas a tarde é cinza e calada e a tarde me apontou num relance o teu vulto doutras noites, e eu revejo, como em sonho, que a hora violeta traz o tremor das primeiras estrelas.

Estou só. Tomo, como outrora, um refrigerante qualquer e fito a tarde ganhando os tons lilases que pressagiam a noite. Não há tristeza, não há melancolia: há um desejo franco e reto de poder outra vez estar contigo, aqui mesmo, talvez ou talvez noutro lugar qualquer, estar contigo em intensa plenitude, numa comunhão de planos interiores e que houvesse um instante, um pequeno e curto instante, que viesse atrás de um outro instante, e como um acordo silencioso, estaríamos conversando coisas vagamente sem importância e daí, num, relance,sentiríamos a agulhada da presença total da noite recém-nascida e então, talvez, a fitássemos, mudos, vigilantes, pequenos-grandes perante o infinito.

Perante as estrelas e perante nosso repentino acordar interior, nos calaríamos. O tempo passará sobre nossos corações, a morte nos atravessará, a beleza tocará com leveza e verdade nossas almas.

Então, súbito, tínhamos amadurecido.

Então, nosso olhares se cruzariam, coagulados de verdade – neles haveria a quantia de coisas que nunca ousamos trocar, em palavras. Tu lerias os meus olhos, eu leria os teus: diretos, verdadeiros, janelas fendidas em nossas almas.Nossas mãos se abrigariam umas nas outras, verão junto com verão.

É tarde, é cinza, um canto de pássaros flutua no ar sem cor. EU penso em ti. Um abraço forte, doce, teu.


para o Jornal Voz da Terra de 25 de fevereiro de 1967.